Fiz uma sequência de ilustrações para o site do Itaú Cultural, num especial para o mês das crianças. O curioso é que nas ilustras estáticas são feitos super closes em detalhes de cenas fazendo a câmera passear pelo desenho dando a sensação de animação. O texto é todo narrado com pequenos efeitos dando assim uma leitura diferente das ilustrações. Ficou interessante.
A história é de Angela Lago.
A moça e o Capa Preta
texto: Angela Lago
Entre Bom Despacho e a cidade de Luzes tem um vilarejo. Uma rua só, com meia dúzia de casas, um bar que é também uma venda e, no momento em que começa esta história, uma igreja para São Antônio, no final da construção.
Só falta colocar os azulejos ao redor da porta de entrada. Mas as caixas de azulejo estão empilhadas no mesmo canto desde que chegaram. O moço encarregado de colocá-los no lugar é um preguiçoso de marca.
Uma moça do vilarejo está brava. Fez promessa para entrar de véu e grinalda, no dia do Santo, na Igreja pronta. Resolve conversar com o padre. Aquela demora era uma ofensa pessoal a ela, a Santo Antônio, a Deus!
E tanto fala que convence ao padre a dar um ultimato ao preguiçoso: ou a igreja fica pronta para o dia do Santo, domingo, ou multa em vez de pagamento. E mais: que tal a possibilidade de excomunhão? Ou seja, se ele não quiser pagar a multa, que tal deixá-lo para sempre fora da igreja e do céu?
Lá vai o padre tonto com a falação da moça, e repete direitinho o que ela mandou.
Agora é a vez de o preguiçoso ficar nervoso. Não ia conseguir colocar todos os azulejos no lugar em tão pouco tempo. E lá está ele gritando aos céus o-quê-que-faço, quando aparece a moça com a solução: pacto com o diabo.
Como assim? Assim, ela explica: ser excomungado ou entregar a alma para o diabo, dá no mesmo. As duas coisas simplesmente condenam o homem ao inferno. Agora, calma. Tranquilo.
Um pacto é igual a um contrato. Basta colocar uma condição: só vale se a igreja ficar inteiramente pronta, até a meia-noite de sexta-feira. E isso não ia acontecer. Palavra de devota de Santo Antônio.
Sexta-feira, quinze para meia-noite. O preguiçoso ainda hesita. Está apavorado. Afinal, chama o Capa Preta: Ô Satanás! E, tremendo, olhos fechados, as mãos tapando o rosto, propõe o contrato.
A resposta vem com uma ventania, um enorme redemoinho da terra vermelha da rua. E lá está ele, com a sua capa preta um pouco empoeirada e sua equipe de sujeitinhos miúdos e pelados, vermelhos feitos brasa, chifrudos e rabudos.
Os azulejos parecem voar, tão rápido vão para seus lugares. Mas de repente a equipe se dá conta de que faltam azulejos para um pedaço de fileira. Uai! Cadê os azulejos para completar aquela parte? Os diabinhos correm de cá para lá. Cadê? De lá para cá. Cadê? O diabão urra, esbraveja, grita, geme, chora. Mas ninguém encontra a última caixa. Capa Preta perde o contrato. Que alívio para o preguiçoso. Sua alma segue preguiçosamente dele.
Sábado bem cedo chega a moça com a caixa de azulejo que faltava. Tinha escondido em sua própria casa. O preguiçoso só precisa colocar o restinho da fileira no lugar. A moça senta em um degrau e espia. A igreja está linda. O dia está lindo. O preguiçoso também. Resolve ficar por ali. Se ele não colocar o resto dos azulejos, ela mesma o fará, decide. Não vai deixar o futuro noivo ser, quem sabe, excomungado.